quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Portugal está a virar "chinoca"

Jornal de Albufeira, Mar. 2014

    Portugal Está a Virar “Chinoca.

    O actual Governo de coligação, saído de eleições em Junho de 2011, recebeu o País, armadilhado, com a notação de risco abaixo de lixo, e intervencionado por um sindicato de credores que decide a sorte dos portugueses.
    O mal estava feito e a culpa não pode ser assacada aos novos governantes. Porém, as condições de excepcionalidade impunham medidas urgentes no corte das gorduras e celeridade na reforma do Estado que ainda está por fazer.
    Na perspectiva da União este governo credibiliza Portugal, ao contrário do anterior que deixou uma situação de bancarrota iminente. Contudo, a cura tem sido dolorosa e muita coisa podia ter acontecido de outra forma. A começar pela Justiça que já devia ter condenado os infractores. Ainda, hoje, o Estado gasta milhões, com as falcatruas do BPN, e os culpados andam por aí impunemente.
    Não foi por acaso que disse neste espaço, em Maio de 2011, que a Troika devia vir acompanhada de Juízes do Tribunal Europeu.
    A austeridade é que não tinha de ser tão musculada, para os mais fracos.
    A obediência incondicional, às ordens dos credores, revelou-se postura pouco digna e o facto tornou-se mais evidente, quando foi a própria directora do FMI a admitir que o ajustamento teve falhas. Já com o fim do programa de assistência à vista, o Parlamento Europeu também se mostrou preocupado e mandou uma Comissão de Inquérito, a Lisboa.
    Há quem já anuncie melhorias. Percebo a necessidade de gerir expectativas, mas não se pode confundir os factos. Os indicadores estatísticos do desemprego não espelham a realidade. Diz-se que a economia saiu da recessão, por via das exportações, mas esta performance ainda não contagiou o país real. E, para avaliar o custo/benefício, falta conhecer o nível salarial das empresas exportadoras e o seu grau de cumprimento perante a banca.
    A descida da taxa do IRC, com a concordância do maior partido da oposição, reflecte-se nos índices bolsistas, nos dividendos para os accionistas e nos prémios aos gestores. Porém, as pequenas e médias empresas, por onde não passam ministros, continuam a ter dificuldade de gerar fluxo financeiro, suficiente, para a sua sobrevivência. São muitas as que estão no vermelho, ou já faliram, e não beneficiam da descida do referido imposto. Neste contexto, o Governo devia estar receptivo à necessidade de aliviar, nomeadamente, o sector da restauração que exporta cá dentro.
    Nas condições actuais, as falências dos pequenos negócios e o nível do desemprego pintam uma página muito negra da nossa história. Há portugueses a viverem situações dramáticas. Os mais novos, muitos com formação académica superior, paga pelos contribuintes, desistem de Portugal e emigram, enquanto os outros nem têm essa possibilidade.
    O programa de ajustamento veio revelar um fenómeno assustador do ponto de vista social. Os ricos reforçam a posição, a classe média empobrece, e os pobres dependem, cada vez mais, da caridade.
    Esta realidade insere-se num plano mais vasto e na astúcia das organizações matreiras que dominam a finança, a nível mundial, com a complacência de políticos que, normalmente, são recompensados pelos bons serviços.
    Com o índice de crescimento, mais reduzido que o gigante asiático, Portugal está a virar “chinoca”. A comprovar está a Standard & Poors, que retirou o “creditwatch” negativo, mas não alterou a notação do risco, com receio de haver convulsões sociais. E o FMI, numa postura dúbia, também, já veio dizer que tem de haver mais austeridade.
    Veja-se como os financiadores olham para Portugal, quando o governo vai ao mercado. Há já algum tempo, num “roll over” de dívida, para maturidades mais dilatadas, os juros dispararam. Mais recentemente, nas emissões novas, as taxas fixaram-se, variavelmente, altas, à excepção dos prazos inferiores a um ano. No leilão da última emissão, a dez anos, a taxa ficou acima dos 5%, ao contrário das expectativas.
    Contudo, não se pode culpar terceiros. Foram os governantes que, durante anos, não definiram as melhores políticas nem incentivaram o crescimento da economia portuguesa. Pelo contrário, contraíram dívida, para satisfazer alguns insaciáveis, e induziram o povo no erro de pensar que Portugal era um oásis.
    Nestas condições, os roll over vão prosseguir e o pior, ainda, é que o Tesouro Público tem de fazer emissões novas. Em qualquer dos casos, vai haver quem se glorifique, com o sucesso das respectivas operações, e os portugueses terão de suportar o garrote asfixiante por muitos anos.
    Se os partidos tivessem promovido a emancipação política que a democracia impunha, e que o povo ainda hoje carece, também a percepção destes fenómenos teria sido diferente e, hoje, a mentira tinha de ser mais sofisticada. Governantes, políticos e gestores públicos, não teriam condições para tratar os portugueses com a desfaçatez, com que o fazem, e alguns comentadores não se notabilizavam, à custa do erário público, nem seriam aplaudidos no circo.



Henrique Coelho

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