Jornal
de Albufeira, Mar. 2014
Portugal Está a Virar “Chinoca”.
O actual Governo de coligação, saído de eleições em Junho de 2011,
recebeu o País, armadilhado, com a notação de risco abaixo de lixo, e
intervencionado por um sindicato de credores que decide a sorte dos portugueses.
O mal estava feito e a culpa não pode ser assacada aos novos governantes.
Porém, as condições de excepcionalidade impunham medidas urgentes no corte das
gorduras e celeridade na reforma do Estado que ainda está por fazer.
Na perspectiva da União este governo credibiliza Portugal, ao contrário
do anterior que deixou uma situação de bancarrota iminente. Contudo, a cura tem
sido dolorosa e muita coisa podia ter acontecido de outra forma. A começar pela
Justiça que já devia ter condenado os infractores. Ainda, hoje, o Estado gasta
milhões, com as falcatruas do BPN, e os culpados andam por aí impunemente.
Não foi por acaso que disse neste espaço, em Maio de 2011, que a Troika
devia vir acompanhada de Juízes do Tribunal Europeu.
A austeridade é que não tinha de ser tão musculada, para os mais fracos.
A obediência incondicional, às ordens dos credores, revelou-se postura pouco
digna e o facto tornou-se mais evidente, quando foi a própria directora do FMI a
admitir que o ajustamento teve falhas. Já com o fim do programa de assistência
à vista, o Parlamento Europeu também se mostrou preocupado e mandou uma
Comissão de Inquérito, a Lisboa.
Há quem já anuncie melhorias. Percebo a necessidade de gerir
expectativas, mas não se pode confundir os factos. Os indicadores estatísticos
do desemprego não espelham a realidade. Diz-se que a economia saiu da recessão,
por via das exportações, mas esta performance ainda não contagiou o país real. E,
para avaliar o custo/benefício, falta conhecer o nível salarial das empresas exportadoras
e o seu grau de cumprimento perante a banca.
A descida da taxa do IRC, com a concordância do maior partido da
oposição, reflecte-se nos índices bolsistas, nos dividendos para os accionistas
e nos prémios aos gestores. Porém, as pequenas e médias empresas, por onde não
passam ministros, continuam a ter dificuldade de gerar fluxo financeiro,
suficiente, para a sua sobrevivência. São muitas as que estão no vermelho, ou já
faliram, e não beneficiam da descida do referido imposto. Neste contexto, o Governo
devia estar receptivo à necessidade de aliviar, nomeadamente, o sector da
restauração que exporta cá dentro.
Nas condições actuais, as falências dos pequenos negócios e o nível do
desemprego pintam uma página muito negra da nossa história. Há portugueses a
viverem situações dramáticas. Os mais novos, muitos com formação académica superior,
paga pelos contribuintes, desistem de Portugal e emigram, enquanto os outros nem
têm essa possibilidade.
O programa de ajustamento veio revelar um fenómeno assustador do ponto
de vista social. Os ricos reforçam a posição, a classe média empobrece, e os
pobres dependem, cada vez mais, da caridade.
Esta realidade insere-se num plano mais vasto e na astúcia das
organizações matreiras que dominam a finança, a nível mundial, com a complacência
de políticos que, normalmente, são recompensados pelos bons serviços.
Com o índice de crescimento, mais reduzido que o gigante asiático, Portugal
está a virar “chinoca”. A comprovar está
a Standard & Poors, que retirou o “creditwatch”
negativo, mas não alterou a notação do risco, com receio de haver convulsões sociais.
E o FMI, numa postura dúbia, também, já veio dizer que tem de haver mais austeridade.
Veja-se como os financiadores olham para Portugal, quando o governo vai
ao mercado. Há já algum tempo, num “roll
over” de dívida, para maturidades mais dilatadas, os juros dispararam. Mais
recentemente, nas emissões novas, as taxas fixaram-se, variavelmente, altas, à
excepção dos prazos inferiores a um ano. No leilão da última emissão, a dez
anos, a taxa ficou acima dos 5%, ao contrário das expectativas.
Contudo, não se pode culpar terceiros. Foram os governantes que, durante
anos, não definiram as melhores políticas nem incentivaram o crescimento da
economia portuguesa. Pelo contrário, contraíram dívida, para satisfazer alguns
insaciáveis, e induziram o povo no erro de pensar que Portugal era um oásis.
Nestas condições, os roll over vão prosseguir e o pior, ainda, é que o Tesouro
Público tem de fazer emissões novas. Em qualquer dos casos, vai haver quem se glorifique,
com o sucesso das respectivas operações, e os portugueses terão de suportar o
garrote asfixiante por muitos anos.
Se os partidos
tivessem promovido a emancipação política que a democracia impunha, e que o povo ainda hoje carece, também
a percepção destes fenómenos teria sido diferente e, hoje, a mentira tinha de
ser mais sofisticada. Governantes, políticos e gestores públicos, não teriam
condições para tratar os portugueses com a desfaçatez, com que o fazem, e alguns
comentadores não se notabilizavam, à custa do erário público, nem seriam aplaudidos
no circo.
Henrique Coelho
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