quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O sino tocou a rebate

Jornal de Albufeira, Fev. 2014

   O Sino Tocou a Rebate.

    A liberdade conquistada, há 40 anos, é um bem valioso que ainda perdura. Contudo, os custos de contexto foram muito elevados e poucos anos mais tarde o Tesouro Público tinha as reservas esgotadas, as contas estavam desequilibradas, e Portugal pedia ajuda externa. A dificuldade de satisfazer pagamentos ao exterior repercutiu-se na regulamentação monetária, financeira e cambial e na contenção do crédito. A escalada das cotações do petróleo, a desvalorização continuada do Escudo, e a inflação, que ultrapassou os trinta por cento, provocaram a subida generalizada e progressiva dos preços.
    Com a entrada na CEE e depois da adesão à moeda única, o Banco Central, que deixou de definir a política cambial, permitiu facilidades no crédito ao consumo que só podiam acabar mal. Efectivamente, enquanto a dívida privada crescia, a economia minguava. Primeiro, devido à deslocalização de unidades industriais, e às quotas de produção, agora, menos restritivas, a avaliar pelo incentivo para semear na varanda, e depois, com a perda do poder de compra dos portugueses e consequente contracção do mercado interno.
    Os sucessivos governos que não defenderam os interesses portugueses, na Comissão Europeia, e não exigiram rigor interno na aplicação dos fundos, também recorreram ao crédito, desmesuradamente, para alimentar a infernal máquina despesista da Administração Pública. Empresas tecnicamente falidas, e outras estruturas públicas, fizeram o mesmo, com o aval do Estado, e atribuíram prémios de desempenho aos seus gestores.
    Criaram-se infra-estruturas novas, por todo o lado, algumas desnecessárias e outras a preço de ouro, - as célebres derrapagens. Foram estabelecidos acordos, em regime project finance, (PPP), com encargos incomportáveis, para o futuro, e celebrados contratos financeiros, (Swap), que se revelaram negligentes.
    As engenharias financeiras aperfeiçoaram-se, para “branquear a rapinagem”, e, dos “abutres à solta, ainda há muitos a encher o papo. Oxalá o reforço do ranking de multimilionários portugueses não provenha deste “bando de rapinadores”.
    Os abalos sucessivos culminaram num terramoto de dimensões incontroláveis. A dívida pública evoluiu de 62,8 em 2005, para 122 por cento do PIB, em 2012, e os responsáveis por este descalabro não foram incomodados. Alguns, andam por aí a opinar, enquanto a factura está sendo paga por quem já não aguenta mais.
    O contágio da crise do subprime e a notação de risco, desfavorável, precipitaram a debandada dos financiadores externos e os bancos domésticos, que já detinham um volume elevado de dívida pública, não resistiram à exigência do BCE, de reforço de garantias, para continuarem a ir aos leilões, com o mesmo desafogo.  
    Na sequência da célebre reunião do ministro das finanças, com o governador do Banco Central e os banqueiros, o sino tocou a rebate e o ex-governo, em gestão corrente, não teve alternativa, senão, de pedir ajuda externa.
    Na resposta, FMI, BCE e Comissão Europeia resgataram Portugal com um empréstimo, extraordinário, em tranches, no valor total de 78 mil milhões de euros, para o País não entrar em incumprimento.   
  
    Os bancos portugueses, salvo as excepções que são conhecidas, não tinham o mesmo problema dos seus congéneres irlandeses e não evidenciavam activos tóxicos. Ainda assim, tiveram de contabilizar imparidades, para regularizar os respectivos balanços, e alienaram participações, extra core business, para reforçar a liquidez.
    O volume do crédito imobiliário vencido e o grau de insolvência das empresas criaram dificuldades que ainda persistem. Contudo, dos 12 mil milhões, que estavam reservados, os Bancos usaram sensivelmente metade. A sua exposição bolsista já evidenciou recuperação, ao longo de 2013, e pode dizer-se que a banca portuguesa, com a capacidade de se regenerar, está fora do “foot print” da desgraça.  
    O ex-primeiro ministro que não contava com o abrandamento dos bancos domésticos, na aquisição de dívida soberana, e já tinha feito do PEC-IV a moção de confiança do seu governo, mas saiu-se mal no Parlamento, ainda, teve de negociar o memorando da Troika, contra a sua vontade, antes de ir estudar para Paris, porventura, consciente dos danos que havia causado a Portugal.
    Se o PEC-IV passasse, e o ex-governo não se demitisse, projectos emblemáticos como; TGV e o novo Aeroporto, com as suas implicações, teriam continuado a sugar recursos e, hoje, Portugal estava pior. Todavia, ao contrário do que aconteceu na Islândia, ninguém achou que o senhor tivesse tido mau comportamento. As escutas não foram validadas e, do resto, todos se esqueceram rapidamente.
    Hábil, a perceber a bondade do povo, não tardou a regressar e foi recebido, em apoteose, pelo Canal - 1 da televisão pública, para interferir na política à portuguesa e influenciar os menos prudentes, quando já tínhamos cá outro, de primeira casta, que ainda rabeia.
    


Henrique Coelho

Sem comentários:

Enviar um comentário