terça-feira, 23 de setembro de 2014

Carta ao Sr Governador Cívil de Faro


Albufeira, 30 de Maio de 1994
Ex. Senhor,
JOAQUIM MANUEL CABRITA NETO
Digmo. Governador Civil do Distrito de Faro
8000 FARO
Exmo. Senhor,
    Quero antes de mais agradecer-lhe o convite que me dirigiu para estar presente na reunião de 94.05.11, que teve lugar nas instalações do Hotel Montechoro, para tratar do tema “RUÍDO”.
    Quero também manifestar a minha concordância, com o que V. Exa. e os outros oradores transmitiram aos presentes, à excepção de parte do discurso do Sr. Presidente da Câmara de Albufeira que mostrou defender o ruído para o desemprego não crescer.
    A minha concordância vai ainda para o desagrado que V. Exa. demonstrou devido ao facto da CMA, em reunião da sua vereação, ter classificado a Rua Cândido dos Reis e a Avenida Sá Carneiro, como zonas de animação, com a pura intenção de promover e dar cobertura ao barulho que aí se produz.
    Há dez anos atrás, o Sr. Presidente da CMA, só não fez a sua vereação aprovar, para os mesmos locais, a classificação de zonas de atracção turística, pela simples razão de não ser aí concessionário de espaços para venda de frutas e hortaliças.
    Os senhores da CMA deixam-se impressionar com a quantidade de pessoas que vagueiam naquelas zonas e que, possivelmente, é atraída pelo barulho, mas esquecem-se que muitos são observadores com sentido crítico, que transportam má propaganda para as suas origens. Resta-nos os turistas de baixo nível que, mesmo consolados com o barulho, não consomem, passam as férias queixando-se que o custo de vida, aqui, é elevado, e por consequência também não serão estes que vão recomendar Albufeira aos seus amigos.
    Senhor Governador - permita-me que, também, lhe faça um reparo, quando diz que a Câmara devia ter pensado em indemnizar os hoteleiros e residentes daquelas zonas. Acho que a CMA já gere bastante mal os dinheiros públicos e não queira ser V. Exa. a encaminhá-la para desgraça ainda maior.
    Seria de um abuso excessivo a CMA gastar dinheiro da Nação devido às suas iniciativas irresponsáveis que, para além de causarem perturbação à população residente e a hoteleiros, têm por fim proteger alguns negócios, provocando uma concorrência desleal em relação a outros.
    Parece que estamos perante uma pequena catástrofe, em que o ruído tem a sua percentagem de culpa, mas existem outras razões que, também, ajudaram à degradação do produto e contribuíram para o afastamento de muitos turistas de nível médio/alto que, anteriormente, visitavam Albufeira com alguma frequência.
    A título de exemplo, há dez anos atrás, ancoravam na baia de Albufeira, quase diariamente, 20 ou 30 traineiras da pesca da sardinha que davam a esta terra um excelente cenário, muito em particular à praia dos banhistas, provocando também em terra um movimento de pescadores a fazer as suas compras, lado a lado com turistas. Por outro lado, ainda, existia uma actividade de pesca artesanal a justificar chamar a Albufeira “Vila Piscatória”, cuja rotulagem enriquecia o produto turístico.
    Com a transferência dos locais de venda de peixe, frutas e hortaliças, para mercado municipal próprio, mas localizado fora do circuito normal dos turistas, e com a ausência das referidas traineiras, só resta um pequeno número de barcos da pesca artesanal, com a sua actividade já bastante reduzida, sendo por vezes difícil dar resposta aos turistas que perguntam a que horas chegam os barcos. Pois existe a possibilidade de nenhum ter ido ao mar.
    Não estou contra o desenvolvimento normal de uma terra, muito menos, quando se trata de criar infra-estruturas de apoio às populações, como são os mercados municipais. Porém, quando este tipo de mudanças é inevitável, em zonas cuja actividade principal seja o turismo, torna-se imperioso que o assunto mereça, das autoridades locais, uma atenção muito especial, de maneira a evitar uma desvalorização para o produto turístico.
    Em Albufeira, a autarquia não demonstrou ter tido esse cuidado, nem foi capaz de criar as alternativas necessárias para inverter a crescente tendência negativa que se tem vindo a verificar nesta matéria.
    Provavelmente, situações semelhantes, ou porventura mais notórias, passam-se também noutras terras desta região, pelo que se pode concluir que é urgente e cada vez mais necessário dotar os agentes, que intervêm em actividades relacionadas com o turismo, de sensibilidade e capacidade suficientes, para que, da maneira mais adequada, possam encontrar as soluções mais correctas.
    Procurando atingir o campo da sensibilidade de V. Exa. e porque entendo que o Senhor Governador tem a força e o dinamismo suficientes para colaborar num projecto que podia ajudar a melhorar alguns comportamentos, tomo a liberdade de lhe propor que pense a sério na hipótese de serem levadas a cabo acções de formação, ministradas por técnicos qualificados e dirigidas a empresários cuja actividade esteja ligada directamente ao turismo, agentes de viagens, autarcas e funcionários com posições de chefia, indicados tantos pelas empresas como pelas autarquias, durante o período considerado de estação baixa.
    Seria igualmente aconselhável que se realizasse, anualmente, no Algarve, um colóquio sobre turismo, onde para além de outras iniciativas fosse passado em retrospectiva a actividade do ano anterior e que determinasse linhas de orientação e objectivos para a época seguinte.
    Nesta altura já o Senhor Governador estará a apelidar-me de lírico e a pensar que esta não é exactamente a sua área de acção, uma vez que o cargo que ocupa é bem mais abrangente. Também estou ciente disso, mas considero que seria uma boa prestação para esta região se V. Exa. se disponibilizasse a tentar juntar os organismos com responsabilidades nesta área e os sensibilizasse para tornar possível a iniciativa que, pelo menos, teria o mérito de provocar um debate sobre questões relacionadas com a actividade económica mais representativa desta região.
    Estou certo que todos ficaríamos a ganhar.
    Espero que V. Exa. não entenda o conteúdo das minhas posições como tentativas de ingerência, ou exibicionismo barato, de quem pretende ditar regras às instituições.
    Pelo contrário, quero manifestar o respeito e apreço que tenho por V. Exa. e, apenas, contribuir para o enriquecimento, muito em especial, do capital humano da minha terra e da minha região.
    Muito mais havia para dizer mas os meus comentários já vão longos e não era minha intenção roubar muito do Vosso precioso tempo. No entanto, gostaria ainda de lhe apresentar uma outra questão relacionada com a reunião do Montechoro que mesmo não sendo a mais valiosa teve o mérito de produzir o efeito para esta carta acontecer.
    O Senhor Governador disse e reafirmou que os bares, desde que devidamente licenciados, poderiam apresentar música ao vivo, durante o período concedido pela licença policial, se o volume do som para o exterior, a partir das 22 horas de domingo a quinta-feira, inclusivé, e a partir das 24 horas de sextas, sábados e vésperas de feriados, não excedesse o permitido, de acordo com a lei do ruído. Foi este o entendimento com que fiquei e que julgo ser correcto. Mas, porque em conversa com outras pessoas, foram-me apresentadas versões diferentes, muito grato ficaria com a resposta de V. Exa. para ser devidamente esclarecido em relação a esta matéria.
    Antecipadamente grato, pela atenção que os meus comentários possam vir a merecer da parte de V. Exa. e com os meus sinceros cumprimentos, subscrevo-me.
D. V. Exa.,
Atenciosamente,
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Henrique Coelho