Albufeira, 30 de Maio de 1994
Ex. Senhor,
JOAQUIM MANUEL CABRITA NETO
Digmo. Governador Civil do Distrito de Faro
8000 FARO
Exmo. Senhor,
Quero antes de
mais agradecer-lhe o convite que me dirigiu para estar presente na reunião de
94.05.11, que teve lugar nas instalações do Hotel Montechoro, para tratar do
tema “RUÍDO”.
Quero também
manifestar a minha concordância, com o que V. Exa. e os outros oradores transmitiram
aos presentes, à excepção de parte do discurso do Sr. Presidente da Câmara de
Albufeira que mostrou defender o ruído para o desemprego não crescer.
A minha
concordância vai ainda para o desagrado que V. Exa. demonstrou devido ao facto
da CMA, em reunião da sua vereação, ter classificado a Rua Cândido dos Reis e a
Avenida Sá Carneiro, como zonas de animação, com a pura intenção de promover e
dar cobertura ao barulho que aí se produz.
Há dez anos
atrás, o Sr. Presidente da CMA, só não fez a sua vereação aprovar, para os
mesmos locais, a classificação de zonas de atracção turística, pela simples
razão de não ser aí concessionário de espaços para venda de frutas e
hortaliças.
Os senhores da
CMA deixam-se impressionar com a quantidade de pessoas que vagueiam naquelas
zonas e que, possivelmente, é atraída pelo barulho, mas esquecem-se que muitos
são observadores com sentido crítico, que transportam má propaganda para as
suas origens. Resta-nos os turistas de baixo nível que, mesmo consolados com o
barulho, não consomem, passam as férias queixando-se que o custo de vida, aqui,
é elevado, e por consequência também não serão estes que vão recomendar Albufeira
aos seus amigos.
Senhor
Governador - permita-me que, também, lhe faça um reparo, quando diz que a
Câmara devia ter pensado em indemnizar os hoteleiros e residentes daquelas
zonas. Acho que a CMA já gere bastante mal os dinheiros públicos e não queira
ser V. Exa. a encaminhá-la para desgraça ainda maior.
Seria de um
abuso excessivo a CMA gastar dinheiro da Nação devido às suas iniciativas
irresponsáveis que, para além de causarem perturbação à população residente e a
hoteleiros, têm por fim proteger alguns negócios, provocando uma concorrência
desleal em relação a outros.
Parece que
estamos perante uma pequena catástrofe, em que o ruído tem a sua percentagem de
culpa, mas existem outras razões que, também, ajudaram à degradação do produto
e contribuíram para o afastamento de muitos turistas de nível médio/alto que,
anteriormente, visitavam Albufeira com alguma frequência.
A título de
exemplo, há dez anos atrás, ancoravam na baia de Albufeira, quase diariamente,
20 ou 30 traineiras da pesca da sardinha que davam a esta terra um excelente
cenário, muito em particular à praia dos banhistas, provocando também em terra
um movimento de pescadores a fazer as suas compras, lado a lado com turistas.
Por outro lado, ainda, existia uma actividade de pesca artesanal a justificar
chamar a Albufeira “Vila Piscatória”, cuja rotulagem enriquecia o produto
turístico.
Com a
transferência dos locais de venda de peixe, frutas e hortaliças, para mercado
municipal próprio, mas localizado fora do circuito normal dos turistas, e com a
ausência das referidas traineiras, só resta um pequeno número de barcos da
pesca artesanal, com a sua actividade já bastante reduzida, sendo por vezes
difícil dar resposta aos turistas que perguntam a que horas chegam os barcos.
Pois existe a possibilidade de nenhum ter ido ao mar.
Não estou contra
o desenvolvimento normal de uma terra, muito menos, quando se trata de criar
infra-estruturas de apoio às populações, como são os mercados municipais.
Porém, quando este tipo de mudanças é inevitável, em zonas cuja actividade
principal seja o turismo, torna-se imperioso que o assunto mereça, das
autoridades locais, uma atenção muito especial, de maneira a evitar uma
desvalorização para o produto turístico.
Em Albufeira, a
autarquia não demonstrou ter tido esse cuidado, nem foi capaz de criar as
alternativas necessárias para inverter a crescente tendência negativa que se
tem vindo a verificar nesta matéria.
Provavelmente,
situações semelhantes, ou porventura mais notórias, passam-se também noutras
terras desta região, pelo que se pode concluir que é urgente e cada vez mais
necessário dotar os agentes, que intervêm em actividades relacionadas com o
turismo, de sensibilidade e capacidade suficientes, para que, da maneira mais
adequada, possam encontrar as soluções mais correctas.
Procurando
atingir o campo da sensibilidade de V. Exa. e porque entendo que o Senhor
Governador tem a força e o dinamismo suficientes para colaborar num projecto
que podia ajudar a melhorar alguns comportamentos, tomo a liberdade de lhe
propor que pense a sério na hipótese de serem levadas a cabo acções de
formação, ministradas por técnicos qualificados e dirigidas a empresários cuja
actividade esteja ligada directamente ao turismo, agentes de viagens, autarcas
e funcionários com posições de chefia, indicados tantos pelas empresas como pelas
autarquias, durante o período considerado de estação baixa.
Seria igualmente
aconselhável que se realizasse, anualmente, no Algarve, um colóquio sobre
turismo, onde para além de outras iniciativas fosse passado em retrospectiva a
actividade do ano anterior e que determinasse linhas de orientação e objectivos
para a época seguinte.
Nesta altura já
o Senhor Governador estará a apelidar-me de lírico e a pensar que esta não é
exactamente a sua área de acção, uma vez que o cargo que ocupa é bem mais
abrangente. Também estou ciente disso, mas considero que seria uma boa
prestação para esta região se V. Exa. se disponibilizasse a tentar juntar os
organismos com responsabilidades nesta área e os sensibilizasse para tornar
possível a iniciativa que, pelo menos, teria o mérito de provocar um debate
sobre questões relacionadas com a actividade económica mais representativa
desta região.
Estou certo que
todos ficaríamos a ganhar.
Espero que V.
Exa. não entenda o conteúdo das minhas posições como tentativas de ingerência,
ou exibicionismo barato, de quem pretende ditar regras às instituições.
Pelo contrário,
quero manifestar o respeito e apreço que tenho por V. Exa. e, apenas,
contribuir para o enriquecimento, muito em especial, do capital humano da minha
terra e da minha região.
Muito mais havia
para dizer mas os meus comentários já vão longos e não era minha intenção
roubar muito do Vosso precioso tempo. No entanto, gostaria ainda de lhe apresentar
uma outra questão relacionada com a reunião do Montechoro que mesmo não sendo a
mais valiosa teve o mérito de produzir o efeito para esta carta acontecer.
O Senhor
Governador disse e reafirmou que os bares, desde que devidamente licenciados,
poderiam apresentar música ao vivo, durante o período concedido pela licença
policial, se o volume do som para o exterior, a partir das 22 horas de domingo
a quinta-feira, inclusivé, e a partir das 24 horas de sextas, sábados e
vésperas de feriados, não excedesse o permitido, de acordo com a lei do ruído.
Foi este o entendimento com que fiquei e que julgo ser correcto. Mas, porque em
conversa com outras pessoas, foram-me apresentadas versões diferentes, muito
grato ficaria com a resposta de V. Exa. para ser devidamente esclarecido em
relação a esta matéria.
Antecipadamente
grato, pela atenção que os meus comentários possam vir a merecer da parte de V.
Exa. e com os meus sinceros cumprimentos, subscrevo-me.
D. V. Exa.,
Atenciosamente,
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