quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Carta a Dr José Carlos Martins Rolo

Exmo. Senhor,
Dr. José Carlos Martins Rolo
8200 ALBUFEIRA




Assunto: Regulamento dos Horários de Estabelecimentos


Está em marcha um desmesurado acerto de contas, com a economia local, por força do novo Regulamento em epígrafe.

Antes, os horários estavam adequados às diferentes actividades e os parâmetros do ruído, determinados pelo Regulamento do Governo Civil, eram respeitados pelos estabelecimentos.

A história da música exageradamente alta, ou seja do ruído incomodativo, prende-se com o prolongamento do horário dos bares, concedido pela Autarquia, e com o incentivo que foi dado, a partir do inicio da década de 90, tanto pelo presidente da câmara, daquela altura, por interesses particulares, como pelo que acabou de interromper o seu mandato. Sendo que, o incentivo deste último, foi incompreensivelmente superior, com facetas pelo meio.

A “noite de Albufeira” recebeu elogios, no discurso verbal, para, a seguir, o mesmo protagonista condenar o ruído, na escrita.

Efectivamente, desde há muito que alguns bares encerram às 04h00 e emitem sonoridades de discoteca, com facilidades de dança e portas escancaradas, para as esplanadas também usufruírem.

As discotecas arrombaram paredes e puseram os balcões na rua, para não perderem competitividade. E, como se não chegasse, a Autarquia promoveu espectáculos ruidosos, à borla, que rotularam Albufeira de “pimba”, dificultaram o desempenho de muitos estabelecimentos, e contribuíram para o elevado passivo que é, hoje, um pesadelo.  

Estou à vontade nestas matérias, sobre as quais tenho dado testemunho, desde Maio de 1994, altura em que houve uma reunião, promovida pelo Senhor Governador Civil de Faro, no Hotel Montechoro, para discutir o ruído.
Passaram-se quase 20 anos e havia necessidade de resolver o problema. Porém, o método adoptado, com base no novo Regulamento dos Horários, está longe de ser uma solução justa, equilibrada, e pacífica. É um ponto de partida, que já terá dado muito trabalho, mas o assunto não deve ser considerado encerrado.

As pessoas que trataram desta questão não demonstraram sensibilidade nem conhecimento da matéria. Muito menos, perceberam que a Autarquia tinha responsabilidades nesta desordem.

As dificuldades de tesouraria e a fuga do ex-presidente já resolveram o problema da assiduidade dos espectáculos ruidosos, mas falta a Autarquia identificar e reagrupar os estabelecimentos, por tipos de actividade, de acordo com os alvarás que concedeu e os serviços que estes prestam. E, nalguns casos, mandar reimplantar as condições de isolamento sonoro que alguns tiveram no passado.

Os bares, atrás referidos, tinham de virar as colunas de som, para o seu interior e baixar volumes. E as discotecas voltarem a colocar os balcões dentro de casa e reerguer paredes.

A partir daí, na minha opinião, todos os bares deviam estar autorizados a funcionar, até às 02h00, de Novembro a Abril, e até às 03h00 de Maio a Outubro, ambos inclusivé, com nuances no Carnaval e Páscoa, até às 03h00, e no Fim de Ano até às 08h00.

Por sua vez, as discotecas, (dancings, boîtes, e cabarés), eram autorizadas a funcionar até às 06h00, todo o ano, com a nuance de Fim de Ano até às 08h00.

Os restaurantes, snack bares, cafés, pastelarias e outros congéneres, teriam horários de funcionamento até às 24h00, até à 01h00 ou até às 02h00, em função das pretensões dos seus proprietários.

Em situações excepcionais, de acordo com as localizações e respectivas condições de operacionalidade, alguns restaurantes e snack bares, com horários de terceira linha, podiam ser autorizados a funcionar até às 03h00, de Maio a Outubro, e destes, ainda, ser dada autorização, a um grupo muito restrito, para funcionar até às 06h00, todo o ano, para refeições tardias, com a mesma nuance de fim de ano, até às 08h00.

Não tem de haver pudor na análise de factos reais. Uma pessoa que se deite às 7 ou 8 horas da manhã, por norma, não almoça. Nesta perspectiva, havia interesse em incentivar a refeição tardia, para quem trabalha, em horários nocturnos, ou gosta da noite.

As actividades nocturnas, também dão mais segurança à cidade.

Não faz sentido que os estabelecimentos do comércio tradicional estejam abertos, depois da meia-noite, à excepção das farmácias, por escala, e das lojas de conveniência dos postos de combustíveis, a funcionarem 24 horas.

Todos os estabelecimentos tinham de cumprir as regras restritivas do ruído, para o exterior, consignadas na lei e harmonizadas por regulamento adequado à realidade local, especialmente, a partir das 24h00.

Não teria relutância em concordar com os limitadores de som, instalados nos bares, se o actual regulamento contemplasse o que atrás referi e se o histórico das casas fosse, minimamente, tido em conta na atribuição dos respectivos volumes. Mas, o que se verifica, na prática, é uma tendência para restringir quem não prevaricou, nem foi objecto de queixas, no passado.

O regulamento cria situações novas, algo caricatas. Nalguns casos, incentiva o ruído, tem excessos, lacunas, e é abusivo.

Não altera nem contraria a postura dos bares e das discotecas que entraram em rota de colisão, nas estratégias e nos objectivos, e que se serviram da indulgência desregulada da Autarquia. E são estes estabelecimentos que, comprovadamente, produziram, e continuam a produzir, o ruído incomodativo que interessa evitar.

Não faz alusão à prestação dos serviços de restauração e bebidas, dos hotéis e das outras organizações turísticas, nem refere os ambulantes do artesanato oriental e dos cachorros. Estas omissões configuram um quadro estranho e são incitadoras à concorrência desleal.  

Os próprios serviços da Autarquia vão ser sobrecarregados, com um movimento acrescido, para tratar de autorizações / licenças, que era dispensável.

O regulamento dificulta os proprietários dos estabelecimentos com música ambiente, depois da 24h00, cujas actividades pretendem ser comedidas e não têm nada a ver com a “guerra” do ruído. Estes munícipes, contribuintes, que já pagam por tudo e têm, agora, a factura de mais equipamento, em tempo de crise, devem sentir-se rotulados, desconsiderados, e ofendidos.

Apesar de o equipamento ser calibrado e selado, por agentes que facturam e decidem, unilateralmente, com o consentimento da Autarquia, os donos dos estabelecimentos, ainda, são intimidados com um sistema de controlo “pidesco”.  

Refiro-me ao software, desenvolvido com o estímulo da Autarquia, para tratar dados e disponibilizar informação, dos estabelecimentos, via internet.

Já se suspeita que o referido documento seja um instrumento, para a “caça às bruxas” que os seus mentores idealizaram. Intitula-se regulamento dos horários, mas pretende resolver o problema do ruído. Mistura realidades díspares e omite situações flagrantes. Alberga um conjunto de normas, absurdas, que vão desde as mais graves, destruidoras de negócios, com todas as consequências, a outras, ultrajantes, que ferem sensibilidades e encaixam mal nas culturas enraizadas, para as diferentes actividades.

De facto, este regulamento suscita muitas dúvidas. Houve um período de discussão pública e foi aprovado por um órgão eleito democraticamente. Tudo dentro das normas. Mas onde fica a moralidade? E quem envolveu a Autarquia, neste sarilho, estará a prestar um bom serviço público? Por último - não será este regulamento anticonstitucional?

De vez em quando, surge alguém com a pretensão de atraiçoar direitos fundamentais. Há tempos, o governo quis controlar os automóveis de privados, através de chip nas matrículas. Agora, é a Autarquia de Albufeira que controla os estabelecimentos de restauração e bebidas, pela internet.

Esta perseguição abusiva, não faz sentido. Há outro método de fiscalizar e punir os infractores que violarem o equipamento para emitir ruído incomodativo.

Percebe-se que o futuro deste país está nas estirpes com iniciativas inovadoras. Nesta linha, a Autarquia terá sido contagiada e tornou-se incubadora de start ups, para acolher uma invenção que, segundo se consta, também despoletou o interesse de outras edilidades.

Acredito que os seus mentores tenham registado a patente, para acautelar direitos e cobrar royalties.

“Bem-haja a inovação tecnológica. Quanto tempo, ainda, será necessário, para automatizar tudo e extinguir a nossa raça que só dá chatices neste planeta. A coisa pode ser penosa, para o resto dos humanos, em situação de reforma, mas muito fácil, para um qualquer robot, (made in china) a dirigir a Segurança Social, porque deixa de haver desemprego”.

Os parasitas que ainda sobrevivem, nesta economia degolada, - que se lixem”.

Sarcasmos à parte, reconheço o benefício das novas tecnologias, enquanto a inteligência artificial estiver ao serviço do ser humano. Mas, está-se a ir longe de mais. Só na A-22 a função virtual subtraiu, pelo menos, 150 postos de trabalho, para a auto-via desencorajar utentes, prejudicar a economia da região, e sobrecarregar a EN-125, com aumento de acidentes e perda de vidas.

Preocupa-me o facto das estruturas do nosso País estarem desumanizadas. Quase 40 anos depois da revolução, alguns órgãos eleitos, “democraticamente”, demonstram insensibilidade e muita falta de ética.

No âmbito privado, as carências não são diferentes. Por onde andarão os dirigentes das associações empresariais. Será que não foram convidados, para discutir o ruído e os horários, ou terão preferido não beliscar empatias e continuar a cobrar quotas.

Um dia destes, vêm aí os robots e as suas organizações não fazem falta.

A minha ironia não míngua a importância das questões nem a sinceridade dos meus relatos. É a nuance democrática, que escolhi, para elucidar a realidade dos factos e tornar as narrativas menos carrancudas.

Em boa verdade, estas e outras realidades não me surpreendem. Não foi por acaso que o Jornal Notícias de Albufeira publicou, já faz algum tempo, um conjunto de artigos da minha autoria, nomeadamente, sob o título “Albufeira Precisa de Mais”, que assenta, perfeitamente, nestas indolências.

Não pretendo respostas, mormente, daquilo que não lhe diz respeito. Aliás, estou convencido que este regulamento dos horários é obra do passado recente, protagonizada por alguma “irreverência exacerbada”, que é preciso conter.

Tendo em conta a contestação que o referido regulamento está a ter da economia local, julgo que V. Exa, na assunção das novas responsabilidades, esteja interessado em reflectir, sobre o insólito, e a avaliar a consciência que se forma fora dos meandros do poder instituído.

Pessoalmente, aconselhava-o a travar, de imediato, a inerente acção executória desta deliberação, para o assunto voltar a ser abordado, por pessoas avalisadas na matéria, de modo a ser reposta a ordem a contente de todas as partes.

Confesso que depois de ter lido o documento, e aperceber-me do disparate que este constitui, tive o apetite de ir, de novo, para o jornal. Só não o fiz porque já tinha decidido manter-me, temporariamente, em silêncio, por razões de consciência intuitiva.


Melhores cumprimentos,


Atenciosamente,




___________

Henrique Coelho

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